Saiba mais - Decretos 8425, 8424

Nestes decretos o governo:

- Cria a categoria “trabalhador e trabalhadora de apoio à pesca artesanal”. Desta forma, ele divide o grupo familiar classificando uns como pescador artesanal e outros não. Nega a identidade de pescador e pescadora artesanal a inúmeros trabalhadores que atuam na cadeia da pesca artesanal em regime de economia familiar e na forma tradicional de produzir. Limita o entendimento de que pescador ou pescadora artesanal são somente aqueles e aquelas que exercem a captura do pescado e comercializam. Desta forma, nega direitos trabalhistas, previdenciários e a identidade de pescadora artesanal a centenas de milhares mulheres pescadoras.

A pesca, na maioria das vezes, é uma atividade familiar indivisível, diversificada, interdependente e inseparável. E a lógica das comunidades tradicionais pesqueiras é de famílias extensas e o trabalho por vezes ultrapassa a lógica familiar e se dá no âmbito comunitário, que se embasa principalmente em relações de solidariedade e reciprocidade.

- O decreto impede que os pescadores que pescam para subsistência, para comer ou que fazem troca ou escambo tenham acesso ao RGP – Registro Geral da Pesca, documento que garante acesso a políticas públicas e sociais, principalmente direitos previdenciários e aposentadoria. Desta forma, deixará estas pessoas entregues a própria sorte e engrossará o número de beneficiários das ajudas assistenciais.

- O decreto faz uma classificação dos pescadores e das pescadoras, criando a categoria de pescador exclusivo, objetivando que o pescador para ter acesso a defeso não possa ter outra fonte de renda. O que destoa da realidade concreta dos pescadores que desenvolvem, na maioria dos casos, atividades complementares de agricultura de subsistência, artesanato, turismo de base comunitária, o extrativismo florestal e a criação de pequenos animais entre outras. Estas atividades individualmente são incapazes de prover a subsistência familiar, mas no seu conjunto são fundamentais para a garantia da segurança alimentar e da reprodução física e cultural destas comunidades. Inclusive, o exercício destas atividades é acolhido pela legislação previdenciária, caracterizando-se como elementos constitutivos da definição de segurado especial. Portanto, não é aceitável que o pescador seja constrangido a deixar de exercer as demais atividades que caracterizam a sua tradicionalidade.

- O decreto vincula ao conceito de pescador artesanal a embarcação de arqueação bruta de 20 AB. O objetivo é colocar dentro dos direitos da pesca artesanal os barcos de armadores, empresários da pesca que através deste artifício, deixarão de pagar os salários e encargos. Esses empresários que mantém atividades não registradas são, na maioria das vezes, os que mais praticam formas de trabalho precários e similares ao trabalho escravo.

Esse decreto não condiz com a diversidade, peculiaridades e realidade da pesca artesanal no Brasil. Tenta homogeneizar os pescadores numa lógica urbana e capitalista. Interfere no direito de autodeterminação dos povos e comunidades tradicionais e fere um direito internacional de interferência do Estado na divisão da categoria, coisa que o Estado é proibido de fazer.

Este decreto faz parte de uma engrenagem de Racismo institucional que objetiva invisibilizar e eliminar os pescadores e as pescadoras artesanais, pois estes são entraves para o desenvolvimentismo degradador, excludente e concentrador ao estar perto e viver em íntima relação com a natureza tão cobiçada pelo capital e que conta com a anuência e conivência do Estado.

É incoerente por parte do governo ao mesmo tempo em que se discute a sustentabilidade dos recursos pesqueiros continentais e marinhos com inúmeras medidas em pauta, violar os direitos justamente do único seguimento que por meio da sua cultura e tradicionalidade cuida desses recursos. Tal ação inviabilizará todo e qualquer esforço por parte dos pescadores de diálogo sobre essas medidas, pondo em cheque uma construção  que todas as nossas instituições tem feito nos últimos anos.

Vale ressaltar que todo esforço foi feito pelos movimentos no sentido de contribuir para que essa forma de construção fosse revista, mas infelizmente o governo endureceu a postura em publicar um decreto que viola direitos sem dialogar com os sujeitos de direito desse processo e rasgando os compromissos assumidos anteriormente.

Estamos vigilantes e em luta pelos direitos, nenhum passo atrás. Pela liberdade, pelo direito a autodeterminação, pelo direito das mulheres, pelo direito a diferença e a igualdade e pelo direito aos nossos territórios tradicionais.

Exigimos a revogação do decreto 8425 e um amplo debate com as comunidades a cerca da tradicionalidade das comunidades pesqueiras de forma que as leis da pesca estejam condizente com a realidade cultural e  garantia de direitos conquistados a duras penas no processo histórico do Brasil.

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